quarta-feira, 5 de agosto de 2020

Minha trajetória científica

  Olá. Apesar de já ter feito o primeiro post, ainda não me apresentei. Meu nome é Igor, sou nascido em 1993 e sou atualmente doutorando em Física pelo Instituto de Física de São Carlos, da USP. Sou católico de nascimento, mas uma série de fatores me levou, na adolescência, ao abandono total da fé. Em algumas épocas me declarei "cristão" (embora minhas atitudes não fossem nada cristãs), em outras, agnóstico, em outras, Deísta. Fiquei também com um pé no Espiritismo, embora nunca tenha ido a um Centro Espírita (meu irmão coordena o Centro Espírita na cidade onde ele mora...). Em 2015, confrontado com o problema da morte, com a falta de respostas convincentes do Espiritismo e a desesperança profunda advinda das outras possibilidades que eu cogitava, fiz, após perceber (após estudar bastante) a razoabilidade da fé católica, uma "aposta de Pascal", e voltei pra Igreja. Descobri que era realmente ali que moravam as respostas para todas as perguntas que todo ser humano faz: "quem somos?", "de onde viemos?", "pra onde vamos?", "porque existimos?", "como devemos viver?" e por aí vai. Não é vivendo "uma" religião que se tem respostas, é vivendo na única religião verdadeira, que é aquela revelada pelo Deus mesmo. E o mais importantes, essas respostas não são respostas meramente intelectuais a perguntas meramente intelectuais: são respostas com sentido existencial, que dão um norte pra nossa vida, e são respostas que vem, no Catolicismo, acompanhadas dos instrumentos (oração, sacramentos) que possibilitam essa transformação de vida, e são de fato eficazes, que de fato levam, se houver cooperação de nossa parte, a um abandono de nossos vícios e um crescimento nas virtudes, a uma aniquilação do egoísmo e um crescimento no amor.

 Entretanto, sou também, como disse antes, um cientista (em potencial). Desde pequeno, graças às muitas Superinteressantes trazidas pelo meu irmão, gostava muito de ciências, física em especial. Sabia o nome das partículas subatômicas e o valor da velocidade da luz antes de aprender a fazer conta de divisão. Sempre tive uma inteligência acima da média (estou longe de ser um gênio, mas sempre me destaquei nas escolas onde estudei) e isso me deixou vagabundo e displicente, pois eu não precisava estudar pra ir bem (ex: duas menções honrosas nas OBMEP sem nem estudar. Ok, isso não é grande coisa num país onde a maioria é absolutamente medíocre em matemática, mas mostra algo). Entretanto, o amor a física sempre se manteve, de modo que eu passava, na minha adolescência, longas horas olhando o céu pela luneta de R$ 200 que comprei com meu primeiro salário (trabalhei, basicamente, varrendo pedras e servindo de quebra-galhos na empresa de beneficiamento de batatas do meu tio, em Pedrinópolis-MG). Entrei, em 2011, no curso de Engenharia de Automação Industrial no CEFET-MG, em Araxá. Eu gostei muito de Cálculo (de Física nem tanto, o professor dava aula de slides e isso mata o entusiasmo de qualquer um), mas me sentia mal nas disciplinas mais específicas de Engenharia. Percebi que eu gostava de Física e de Matemática muito mais do que de Engenharia, mas pensei que fazer Física seria assinar um atestado de "passarei fome". Descobri o curso de Engenharia Física na UFSCar e me encantei com a grade curricular e com os relatos dos ex-alunos, que diziam que tal curso possuía a grade curricular mais difícil da universidade, quiça do Brasil! Eu, como sempre gostei de Física e de desafios, fiz o ENEM e passei em Engenharia Física na 2a chamada. Entrei com cota de Escola Pública. Em 2012, comecei o curso de Engenharia Física. Foi legal: haviam muitos sujeitos muito talentosos. A parte de matemática e de física era fantástica, a de engenharia, nem tanto. Consegui me formar no tempo certo (final de 2016... na verdade começo de 2017, pois houve uma fatídica greve de alunos que fez com que o semestre acabasse em fevereiro, não em dezembro. Isso fez com que a apresentação do TCC caísse dois dias depois do meu casamento com minha querida Dani rs) e sem nenhuma reprovação. No começo do curso, pensei em transferir pra matemática ou pra física, mas meus irmãos me desincentivaram a tomar tal decisão. Depois, pensei em me formar na Engenharia Física e seguir na pós-graduação em Física. Depois, ainda, pensei em 'vender minha alma' pro banco, pois isso seria muito mais rentável que uma bolsa CAPES de 1500 reais. Em 2016, depois da greve de alunos, fiquei enojado com o ambiente universitário e quis fugir daquilo. Consegui um estágio na empresa do meu tio (é, o mesmo tio!), que estava começando um projeto: uma fabrica de batatas pré-cozidas. Morei 5~6 meses com minha mãe, e lá, no "chão de fábrica", que descobri (por saudades) que eu amava física. 
 Voltei em Janeiro pra São Carlos (só com a cara, a coragem, Deus no coração e um dinheirinho guardado) e me casei em Fevereiro. Prestei o processo seletivo pra Mestrado em Física na UFSCar, sem saber se ia ter bolsa ou não. Se não tivesse, eu teria de arrumar ~qualquer coisa~ pra ganhar meu pão. Dois dias depois do meu casamento, apresentei meu TCC. Colei grau em março de 2017.

 Meu TCC foi resultado da pesquisa com bolsa FAPESP que desenvolvi no meu último semestre de graduação. Sobre orientação do Dr. Emanuel Fernandes de Lima, analisei um sistema caótico bidimensional (modelo de Henon-Heiles), buscando descobrir se uma partícula nesse potencial poderia ser controlada com campos externos. Foi uma pesquisa puramente computacional, o que no final das contas foi meio desapontador, porque eu não aprendi muito sobre sistemas caóticos, como era meu desejo. A resposta pra pesquisa foi "mais ou menos": o controle via campos de duas frequências diferentes foi bem meia-boca. Eu ainda escrevia no Word, então, por gentileza, não reparem na feiura da formatação:

Consegui bolsa de mestrado, com início em maio. Meu dinheiro guardado deu justamente até aí (com a ajuda da bolsa PIBID da minha esposa e de uma ajuda de meu sogro)! Desenvolvi no mestrado, sob orientação do mesmo Dr. Emanuel Fernandes de Lima, uma pesquisa na área de átomos frios. Dois átomos, quando batem, não necessariamente vão "grudar" um no outro. Um dos jeitos de induzir essa ligação química é jogando um laser (na intensidade certa e frequência certa) nesse par de átomos em colisão. Existem métodos que permitem a construção (teórica) de um laser que faz esse processo com 100% de eficiência, mas esse laser é tão "esquisito" (a frequência e intensidade dele variam muito rápido e de modo não óbvio: estamos falando aqui de variações na casa dos picosegundos!) que seria muito difícil implementa-lo em laboratório. Fazendo estudos teóricos (e da-lhe simulações computacionais!), nós buscamos "construir" (na teoria: papel, caneta e computador: nada de laboratórios) uma forma mais simples pra esse laser, e que ainda promovesse uma boa taxa de formação de moléculas. Esse projeto foi bem sucedido e rendeu um artigo na revista Laser Physics.
 Artigo: artigo

 Dissertação de mestrado: dissertação

 A área de pesquisa do meu mestrado, entretanto, não me agradou muito. As disciplinas que fiz (Mecânica Quântica, Mecânica Estatística, Eletrodinâmica Clássica e Física Computacional) foram legais, mas a pesquisa ficou muito focada em mecânica quântica "básica" e em simulações computacionais sem fim. Eu senti minha base teórica (em física) ainda muito fraca, e decidi ir pra alguma área que me proporcionasse uma formação mais sólida. Primeiro pensei em teoria quântica de campos em espaços curvos, mas não daria certo aqui em São Carlos (o único orientador estava cheio de alunos). Depois, pensei em Cromodinâmica Quântica na Rede (fui ignorado pelos orientadores da USP que trabalhavam com isso) e em Sistemas Integráveis (também fui ignorado). Conversei com um amigo meu, o Michel, e ele disse que estava gostando muito de fazer mestrado na área de Física da Matéria Condensada Teórica. Acabei percebendo que era uma área que me proporcionaria entender as realizações mais significativas da física teórica das últimas décadas, dando-me a bagagem almejada. Entrei então, em 2019, num doutorado na USP - São Carlos, sob orientação do Dr. Eric de Castro e Andrade. Desde então tive que fazer alguns trabalhos de conclusão de curso relativos às disciplinas que fiz. No primeiro semestre, cursei Teoria Quântica de Campos e Estado Sólido (foi puxado). Trabalhei relativamente pouco na pesquisa. Minha filhinha, a Maria Therese, nasceu bem no finalzinho do semestre.

 Esse foi o trabalho final de Teoria quântica de campos. Não ficou muito bom. integrais de trajetória

 No segundo semestre, cursei Mecânica Estatística Avançada, Práticas Pedagógicas e fui monitor de Física 2. Fiz um trabalho bem legal pra concluir a disciplina de Estatística Avançada: simulações em Monte Carlo para prever uma transição de fase num modelo de spins 2D com interação em primeiros e segundos vizinhos. Explicando melhor: o método de Monte Carlo permite (com um custo computacional razoável...) que retiremos informações termodinâmicas de sistemas físicos, como magnetização, calor específico, susceptibilidade magnética, etc. Ele também permite prever transições de fase (por exemplo, de um estado com ordem magnética de longo alcance {pense numa malha cheia de setinhas apontando todas na mesma direção} pra um estado sem nenhuma ordem magnética). Fizemos isso no chamado modelo de Heisenberg antiferromagnético J1-J2 em 2D. Imagine uma rede quadrada (como um tabuleiro de xadrez). Coloque uma setinha no vértice de cada quadrado. Essas setinhas podem apontar pra qualquer direção, inclusive pra fora do tabuleiro. Imagine agora que as setinhas interagem de modo proporcional a uma constante J1 para com seus primeiros vizinhos (as setinhas mais próximas) e interagem de modo proporcional a uma constante J2 com os segundos vizinhos (as setinhas que, tirando as primeiras vizinhas, são as mais próximas). Elas interagem de modo "antiferromagnetico", então as setinhas vão querer ficar "antialinhadas" (se uma aponta pra cima, a vizinha vai querer apontar pra baixo). Foi esse o modelo que estudei nesse trabalho final de disciplina. Tenho mais orgulho dele do que da minha dissertação de mestrado rs. Não que tenha ficado genial, mas ficou bonitinho.
 Segue o link: Monte Carlo

 No terceiro semestre (que está acabando agora) fiz apenas uma disciplina: tópicos em teorias de muitos corpos. É mecânica quântica, só que com um número muito grande de partículas. É um tópico árduo. Nesse curso o professor, além de pedir listas de exercícios bastante extensas, pediu um trabalho final em inglês e em formado de artigo. É o primeiro texto "grande" em inglês que escrevi na vida! Esse trabalho se refere à segunda parte do meu doutorado, onde estudarei o chamado "Modelo de Hubbard", só que com algumas coisinhas a mais (que fazem com que o trabalho tenha uma certa relevância). Em algum momento explicarei melhor do que se trata. Nesse trabalho, descrevi o chamado "método dos Bósons Escravos" no que tange à solução aproximada desse modelo de Hubbard. Ficou bonitinho também. De repente pode servir como uma introdução pedagógica ao assunto. Sei lá se sou didático, mas as continhas estão todas abertas. Segue o link: Bósons Escravos

Agora estou dando prosseguimento a minha pesquisa. Em vários momentos repensei minha vida, repensei se é essa mesmo minha vocação, repensei se é isso mesmo que eu gosto. Depois de muito rezar, pensar e meditar, percebi que é aí mesmo que Deus me quer. Os físicos são em geral sem-religião, e muitas vezes são anti-religião e anti-cristianismo. Imagina como fica a cabeça de um pobre cristão ao entrar na faculdade de física e ver que todo mundo aparentemente julga aquilo uma insensatez? Como poderia ser diferente se houvessem (bons) físicos católicos ocupando cargos universitários e mostrando que não há incompatibilidade alguma entre as duas coisas! Não que não existam físicos católicos, mas eles são em geral muito tímidos, separando a vida "religiosa" da vida "acadêmica". Bom, buscarei ser diferente disso. Será que dará certo? Não sei. Vou buscar fazer a minha parte.

Enfim, é isso. 

Solvay Conference 1927. Some of the attendees, Niels Bohr ... 








segunda-feira, 3 de agosto de 2020

A felicidade humana e a escola cara

 "Eu me sentiria responsável se eu colocasse no mundo uma criança pra sofrer, pra ser infeliz". Essa frase passa por inofensiva, não é? Mas era exatamente isso que pensava Nabor Coutinho de Oliveira Junior quando, em 2016, jogou a esposa e os dois filhos do 18º andar de um prédio, se jogando logo em seguida. Ele passava por graves problemas financeiros. Esse caso clamoroso mostra claramente as consequências de uma ideia errada a respeito do "sofrimento" e da "felicidade". 

 A ideia por trás do caso de Nabor é a de que uma pessoa é (ou pode ser) feliz quando ela é normal, saudável, e recebe as ferramentas para (do ponto de vista mundano) desenvolver plenamente seu potencial, recebendo boa educação, comendo boa comida e todas essas outras coisas que, no duro no duro, nunca, em nenhuma época, foram acessíveis para todos (não que seja ruim que todos possuam, pelo contrário). Partindo desse pressuposto, uma pessoa pobre jamais deveria ter filhos, pois vai ser incapaz de fornecer uma ~boa condição de vida~ pra eles. Partindo desse pressuposto, uma pessoa que tem risco de ter filhos deficientes jamais poderia ter filhos, pois essa criança, nascendo, viveria uma vida desgraçada, passando dor, entrevada, enquanto as outras crianças correm alegres por aí (ora, e esse "risco" não está presente em cada concepção?). E a noção do que é o "necessário" pode ir subindo arbitrariamente, de modo que há pessoas que não tem filho algum porque dizem que o mundo de hoje é "muiito difícil" ou preferem ter apenas um filho pra poder pagar pra ele a escola mais cara da cidade. A vida dos próximos filhos, que seria a consequência normal e sublime de um ato conjugal "desprotegido" (pra usar aqui a repugnante linguagem mundana, que dá a impressão que "engravidar" é como pegar uma doença), vale menos que a escola cara do filho, que poderia muito bem estudar em uma escola mais barata (ou pública mesmo, na minha opinião é quase tudo a mesma porcaria...) e ter a educação complementada pelos pais. 

 A maioria dessas pessoas, quando acabam concebendo um filho "indesejado" (e cujo "indesejamento" é sempre justificado por motivos supostamente nobres e altruístas), no começo ficam desesperadas, mas depois tomam consciência de que "filho é benção" e reorganizam na suas mentes a escala de valores, criando uma auto-justificativa para "tudo bem ter mais um filho" (mas ter mais um filho depois desse recem-concebido é algo impensável: é aí que grande parte das pessoas parte pra laqueadura ou vasectomia, métodos de mutilação). Algumas, nas quais essa ideia de "uma vida sem bicicleta chique e escola cara não é uma vida que valha a pena ser vivida", resolvem matar a criança no próprio ventre, justificando esse ato medonho com palavras pseudo-virtuosas e pseudo-autruístas.  E isso não vale apenas pra crianças ainda não-nascidas! São comuns os casos de pais que suicidam quando percebem que irão perder todos os bens, deixando os filhos, acostumados a viver a pão-de-ló, numa situação financeira ruim (eles não conseguem suportar a ideia de deixar o filho "numa situação ruim" e dão fim à própria vida, quase certamente jogando a própria alma no inferno, por triste que seja dizer isso). É menos comum (graças a Deus!) casos como os de Nabor, que julgou que, privados dos bens, seus filhos e sua esposa seriam mortalmente infelizes, e tomando o lugar de Deus, Senhor da vida e da morte, os matou para priva-los do "sofrimento". 

 A ideia de fundo por trás de tudo isso é a de que existem vidas que valem "menos a pena" do que outras. É, no fundo, uma ideia eugenista. Um ser humano (a revelia da esmagadora maioria que é pobre e não tem condições) que não estuda em escola cara é "menos digno de viver" que um ser humano que estuda numa escola cara. Um molequinho com distrofia muscular tem uma vida desgraçada, seria melhor nunca ter nascido, segundo esse mau pensamento! É, no fundo, você decidindo o valor de uma vida com base em uma escala de valores tão arbitrária quanto o lobo-guará na nova cédula de 200 pau. Toda a vida vale a pena, e a felicidade não consiste em "ter coisas". O nível de "felicidade" (acho que isso foi medido numa certa pesquisa aí com base em uma auto-percepção subjetiva de seu próprio estado de espírito) dos ricos e dos pobres é semelhante, o nível de felicidade dos saudáveis e dos doentes condenados também é semelhante (contraposição entre "homo sapiens" e "homo patiens" de Viktor Frankl). Nada nesse mundo pode preencher o coração do homem, e não é ter coisas que o tornará feliz. Mas, definitivamente, é infeliz aquele que se julga capaz de dizer que vida vale a pena ser vivida e que vida não vale. 

 Note: com isso não viso aqui minimizar o sofrimento alheio. É triste uma situação de pobreza extrema, é tristíssima a situação de uma criança que cresce na base da pancada e até de abusos sexuais. É triste a situação de uma criança de orfanato, que cresce sem pai e sem mãe. Existe esse tipo de desgraça no mundo, e devemos fazer o possível para que o sofrimento dessas pessoas seja mitigado: consolar os aflitos, vestir os nus, alimentar os que tem fome, corrigir os que erram: tudo isso é obra de misericórdia. Mas não diga que essas pessoas estariam melhores se estivesse mortas ou se nunca tivessem existido. É isso que você diz, implicitamente, quando você diz a frase que encabeça esse texto.


Foto de Group Of Happy African Boys From Samburu Tribe Kenya ...