sábado, 17 de abril de 2021

Migrando

 A partir de hoje, sairei do blogger e irei para o medium.

 Infelizmente, a capilaridade do blogger é muito pequena, o que impede que esses textos cheguem em mais pessoas. Evidentemente não acredito que sejam maravilhosos, mas eu não os escreveria sem que houvesse em mim o desejo de que as pessoas os lessem. 

  

domingo, 4 de abril de 2021

Covid-19: se eu fosse um ditadorzinho...

  Nesses últimos meses, uma explosão de casos de covid-19 fez-se notável em todo o Brasil. As festas de fim de ano e o carnaval, evidentemente, tiveram algo a ver com isso. As medidas restritivas que vem sendo tomadas só atacam bodes expiatórios, impedindo atividades que são essenciais (para aqueles que as exercem, ora: pode alguém impedir um ser humano de ganhar o pão de cada dia?) e que são relativamente seguras. Mais uma Vigília Pascal foi celebrada, em grande parte do nosso país, sem a presença de fiéis (o que é tristíssimo em muitos níveis), e muitos caminham para a miséria. O Covid-19 não dá sinal de trégua, e recordes de mortes são quebrados dia após dia, de modo que hoje, no nosso país, se morre mais de covid do que de qualquer outra coisa. Como resolver essa situação?  

 Me parece que a maior parte dos contágios ocorre quando pessoas, formando aglomerações, entram em contato umas com as outras de modo promíscuo e descuidado. É o clássico ambiente das festinhas clandestinas. Nenhuma das medidas de restrição que foram tomadas até agora "dá conta" de impedir esse tipo de coisa. Ora, um rigoroso lockdown resolveria essa situação, mas deixaria um rastro de miséria terrível. 

 Ora... dando eco à doutrina social da Igreja, existe um princípio chamado de "destinação universal dos bens" (que nada tem a ver com o coletivismo socialista/comunista). Alguém que irá morrer de fome tem direito a roubar pra comer (e não seria roubo, pois o direito de preservar a própria vida é superior ao direito de propriedade de outrem, a não ser que esse outro também esteja morrendo de fome...). Ora, o estado, que vive metendo o bedelho onde não é chamado, poderia então tomar a seguinte medida, um tanto quanto impopular: taxar, de algum modo, os ricaços, para que, com esse dinheiro, esses pobres sejam sustentados. Pessoas em casa, aglomerações evitadas, comerciantes com dinheiro suficiente pra passar os dias do lockdown, ricaços ainda ricaços, só que menos ricaços (e provavelmente rangendo os dentes de raiva, porque não compreendem que seus bens devem estar a serviço da sociedade). Covid-19 cai, medidas restritivas desnecessárias desabam, tudo fica tranquilo de novo.

(até que surja outro surto).



Araraquara fez lockdown: até "adiantou", mas gerou uma baita miséria




segunda-feira, 23 de novembro de 2020

Física de Crente - Pierre Duhem

  Terminei de ler o livro "Física de Crente", de Pierre Duhem. Na verdade, tal "livro" é um apêndice de meras 60 páginas de um livro de Duhem, chamado "A teoria física: seu objeto e sua estrutura", numa tradução livre. Este apêndice foi escrito como resposta a determinadas acusações feitas a ele, que sugeriam que a visão de ciência que ele possuía derivavam de sua fé religiosa. 

 Primeiramente, falemos um pouco sobre o autor. Pierre Duhem foi um dos grandes expoentes da física do século XIX, sendo ele responsável por progressos na termodinâmica. Na universidade, ouvi o seu nome na chamada "relação de Gibbs-Duhem". Foi também historiador da ciência, tendo sido ele o principal responsável pelo esclarecimento de que a ciência moderna (pós-Galileu) só pôde surgir em virtude dos progressos já feitos pela escolástica. Era também um católico fervoroso.

 Em primeiro lugar, ele elabora uma visão "positiva" da ciência física, de modo a possibilitar que, independentemente da visão metafísica, se possa "fazer física", por assim dizer. Ele faz tal coisa do modo mais pragmático possível, definindo que a física como prática acadêmica consiste em ligar experimentos à signos matemáticos, definindo então relações entre estes signos. Se trata simplesmente de tentar inventar leis matemáticas que expliquem o experimento, nada mais. Sendo assim, qualquer um pode, independentemente de sua visão filosófica, fazer física. Ora, isso é um pouco insatisfatório, mas melhora depois, vejamos bem. Ele também demonstra que, dada esse definição da ciência física, que por definição busca leis matemáticas para descrever fenômenos que a priori sabemos ser determinísticos, é totalmente inconcebível que se use tal teoria para refutar ou confirmar qualquer fato que se encontre para além de seu escopo. O livre-arbítrio é, por definição, não determinístico: como poderia, então, a física "des-prova-lo", se este já foi excluído de seu escopo aprioristicamente?  A física fala, então, apenas dos fenômenos que ela busca descrever no ato mesmo de sua elaboração, não da realidade tal como ela é.

Deste modo, parece que a física (teórica) não tem nenhum valor para além do mero utilitarismo, pois se trata apenas de um conjunto de leis para prever coisas. Entretanto, ele levanta um ponto de que todo filósofo deveria estudar física, e que a própria atividade de um físico que se levante para além da mera criação de leis "utilitárias" tem motivação filosófica. Isso se dá porque a física, em seu itinerário ao longo dos séculos, realmente "evoluiu" em uma direção na qual fenômenos supostamente descorrelacionados entre si se provaram consequência de uma mesma teoria mais geral (ele também levanta o ponto de que, para entender para onde a física tende, é necessário estudar toda sua história, não só o seu momento atual, o que me parece muito razoável). Deste modo, a tendência geral da física é na direção de uma maior unificação que, de certo modo, faz antever como de fato as coisas 'são' em seu íntimo, como de fato são as leis de fato que o mundo material obedece. Mas porque deve existir uma lógica apreensível subjacente a tudo? Ora, pode-se dizer que é porque o próprio progresso da física parece caminhar nesta direção, mas isso não é garantia de que isso continuará acontecendo (o livro foi escrito no começo do século XX, numa era pré-quântica e pré-relatividade geral). No duro no duro, a "crença" de que a física tende a uma unificação que de fato explica a realidade material é, para o autor, uma crença metafísica numa ordem subjacente a todas as coisas (que é plenamente concordante com a Revelação cristã, como bem sabemos). Deste modo fica claro porque ele diz que um filósofo deve saber física (Xavier Zubiri aparentemente seguiu tal conselho com prontidão): primeiro, para não tomar por "real" aquilo que é mera construção matemática utilitária (e vice-versa: nas teorias físicas, não é fácil discernir uma coisa da outra, pois em geral estão muito misturadas. No experimento, daí não tem jeito, a coisa é o que é), e segundo, porque de fato a física, em sua história e no seu itinerário, parece tender para uma descrição (envolta nas sombras do "eu sei como é, mas não sei o que é e porque é") acurada da sinfonia tocada pelas forças naturais no desenrolar temporal deste mundo não-humano que se apresenta diante de nós.

Por fim, ele demonstra que a física teórica (e este argumento continua válido neste nosso mundo pós-mecânica quântica & cia) é perfeitamente conciliável como a física aristotélica, que é uma "metafísica natural", por assim dizer. Ela não trata dos "como" do mundo natural, mas dos "porquês". Óbvio que a tentativa dela responder os "como" é bem fracassada, porque o estagirita ainda não dispunha dos métodos acurados de medição e observação do mundo natural. Como diz Olavo de Carvalho, num de seus muitos acertos (não sou "olavete", antes que me perguntem: mas neste ponto ele acerta), a primeira pessoa que faz algo nunca faz este algo muito bem. Aristóteles foi o "inventor" das ciências naturais, então é óbvio que ele não poderia fazer tudo certinho. Mas as bases profundas nas quais se deve ancorar uma verdadeira compreensão "realista" (ou seja, dentro do contexto da realidade dos objetos e das relações ali encontradas, de seus "porquês") da ciência física já estão dadas lá, e não só não-contradizem, mas lançam uma luz profunda na própria ciência física tomada do modo "positivista" definido anteriormente. Ele termina mostrando que uma verdadeira "metafísica da física" (como poderíamos chamar aquilo que Carlos Nougué chama de "Física geral Aristótelica") precisa se ancorar, dentre outras coisas, numa teleologia: só se pode entender algo se se entende as quatro causas deste algo: não basta a causa "eficiente" misturada à algo entre causa formal e material, é necessário discernir "o que é o que" e apelar para a causa final das coisas, o "termo" ao qual as coisas tendem (ele dá o exemplo da termodinâmica, que ele acreditava ser a ciência que unificaria todas as outras: tal ideia não envelheceu muito bem não, embora existam teorias que busquem explicar a relatividade geral como fenômeno emergente da termodinâmica. Na termodinâmica, o sistema fechado tende para uma configuração que maximiza a entropia, por exemplo, o que constitui, salvo engano, efetivamente uma 'causa final' de um processo físico).


Enfim, é um livro que envelheceu bem e que lança algumas luzes sobre a física e o seu papel frente a uma visão de mundo integral. Não sei se concordo com tudo, se tudo está correto, mas dada a sua fé e seu conhecimento, certamente não é um autor a se desprezar, e os pontos levantados por ele parecem ser muito pertinentes.

Pierre Duhem (1861-1916)



Pierre Duhem escrevia bem

" Escravo do método positivo, o físico é semelhante ao prisioneiro
da caverna; os meios de conhecer de que dispõe não lhe permitem
ver nada, excepto uma sequência de sombras que se perfilam na
parede oposta ao seu olhar; mas adivinha que esta teoria de silhu-
etas, cujos contornos se esfumam diante dos seus olhos, é apenas
o simulacro de uma série de figuras sólidas; e, para lá do muro que
não pode transpor, afirma a existência destas figuras invisíveis" - Pierre Duhem



sexta-feira, 20 de novembro de 2020

Cavalo de Tróia na Cidade de Deus - Dietrich Von Hildebrand - As funções do filósofo

  Ontem terminei a leitura do livro "Cavalo de Tróia na Cidade de Deus", de Dietrich Von Hildebrand, um dos maiores intelectuais católicos do século XX, chamado de "doutor da Igreja do século XX" pelo papa Pio XII. Neste livro, ele busca desnudar, colocar a claro, a loucura de algumas correntes de pensamento modernas, presentes até mesmo no seio da Igreja, mas não falando por ela. 

A coisa que mais me chamou a atenção no livro todo, que é coroado de gemas e de refutações fantásticas de ideias modernas equivocadas, é aquilo que ele propriamente coloca como função do filósofo católico. Segundo ele, o filósofo católico deve se ocupar dos seguintes objetivos:


  1. Completar uma verdade incompleta, explicitando-a com maior perfeição, estabelecendo distinções ainda obscuras, descobrindo outros aspectos da mesma verdade ou refletindo acerca dela mais profundamente, estabelecendo elos entre esta verdade e outras verdades conhecidas. Isso se dá propriamente pela contemplação humilde da realidade que nos cerca, criada por Deus. Há uma tendência, segundo ele, advinda de uma compreensão popular da dialética Hegeliana, na qual se espera que sempre surja uma síntese superior entre um par de opostos, e isto leva a troca de uma verdade incompleta, porém ainda assim inegável, por uma mentira, pura e simplesmente. Um exemplo claro disso: o magistério da Igreja, em sua autoridade infinita, sempre explicitou muito o caráter procriativo do casamento, deixando a questão do amor conjugal como apenas um fim secundário, levando a uma certa displicência dos conjugues com relação a tal aspecto. A reação modernista é negar a necessidade do caráter procriativo, dizendo que o amor mútuo é o principal do matrimônio. Ora, isso é trocar uma verdade incompleta por uma mentira. O fim principal do matrimônio é a procriação, e não o amor mútuo. Entretanto, o amor mútuo é uma enorme fonte de santificação e de crescimento nas virtudes e na negação de si mesmo pelo bem do outro, em Deus. Deste modo, a atitude do filósofo católico deve ser, por exemplo (como o próprio Dietrich fez extensivamente em sua obra), explicitar mais profundamente o papel importantíssimo do amor mútuo no casamento, casamento este que não é figura da União de Cristo com a Igreja apenas pelo caráter procriativo, mas também pela união de amor indissolúvel (aqui neste mundo) que frutifica partindo das graças de estado dadas pelo Sacramento. Não há síntese superior entre erro e verdade incompleta: se é um verdade, então ela deve ser desenvolvida, jamais negada.
  2. Uma segunda função do filósofo católico é desvincular uma verdade, promulgada por algum filósofo, dos erros anexos a ela. Um exemplo clássico disso é a descoberta epistemológica de Platão no Ménon, que na filosofia dele, vem anexa à ideia falsa da preexistência da alma. Dietrich também cita a questão moral em Kant, que infelizmente vem anexada à infelicíssima ideia do imperativo categórico. A fenomenologia Husserliana também veio anexada, na exposição de Husserl, com erros idealistas, as quais foram expurgados por grandes filósofos como Xavier Zubiri. O fato de uma ideia estar anexada com erros não implica que esta ideia esteja errada, e expurgar o erro da verdade descoberta é função do filósofo em geral, particularmente do filósofo católico.
  3. Uma terceira função é a de dar argumentos mais fortes e convincentes para verdades conhecidas. Esse é justamente o papel também da teologia: expor argumentos racionais que corroboram para as verdades conhecidas de fé. No contexto da moral natural, isto também é muito importante. É uma coisa que Santo Tomás fez muito em sua Suma Teológica. No contexto moral, sua Secunda Secundae é um exemplo luminoso de tal atividade. Não que as explicações presentes lá não possam ser melhoradas, entretanto. Fazer isso é justamente função de um filósofo.
  4. Uma quarta função é desmascarar algum erro que impedia o progresso na compreensão da verdade. Isso em geral é feito por meio de distinções, como aquela entre o panenteísmo e o panteísmo e metafísica cristã. Isso é o tipo de coisa que pode passar despercebida, e ideias panenteístas (e suas consequências) podem se passar como consequência lógica fundamental de uma metafísica pretensamente cristã. Mostrar que tal metafísica é inconciliável com o cristanismo é, então, um objetivo nobilíssimo. 
Essas são as quatro funções de um filósofo católico, obviamente em fidelidade plena à Igreja na sua fé multimilenar, que na verdade é eterna, pois vem de Deus. Sou sim um físico, mas tenho um pé na filosofia. A filosofia é a mãe de todas as ciências, e um cientista excelente que tenha má filosofia é, no fim das contas, um aleijado intelectual, ainda que como cientista seja competentíssimo. O próprio lugar das ciências naturais no esquema geral do edifício humano de conhecimentos é um dado filosófico. É possível sim ser um excelente cientista sem estudar filosofia, mas jamais um sábio*.

* Não falo aqui da sabedoria típica dos santos, que muitas vezes é prática, é uma prudência infusa que a permite agir sempre bem, ainda que o encadeamento lógico-racional das ideias não seja o forte desta pessoa.

Dietrich Von Hildebrand



terça-feira, 3 de novembro de 2020

03/11 - Meditando sobre os pontos 247-250 de "Caminho", de São Josemaria Escrivá

 Seguindo o que sugeriu meu diretor espiritual, estou buscando fazer 20 minutos diários de oração mental, com um livro espiritual. No caso, o livro escolhido foi "Caminho", de São Josemaria Escrivá, fundador da Opus Dei.

 Hoje, depois de alguns dias parado em virtude do feriado prolongado e de alguns compromissos, voltei aqui pra USP para trabalhar. Trabalhar com física, com minha pesquisa. As vezes tudo parece árido, seco, abstrato e inútil, e não tenho "vontade" de trabalhar. Mas é bem claro que é isso que devo fazer. O dever de estado é tão grave para um leigo quanto é o dever de estado de um sacerdote. Trabalhar bem, sem distrações, é tão importante pra mim quanto é para um padre o atender confissões, o celebrar missa, o rezar o ofício divino com devoção. Mas sempre vem a pergunta: "qual o porquê de tudo isso?". Parece tão mais útil ficar estudando doutrina católica, ou filosofia! 

É verdade que estas coisas são importantes, mas um padre que deixasse de celebrar missa, rezar o ofício ou atender confissões estaria falhando gravemente, ainda que ele deixasse de fazer estas coisas para "estudar doutrina". Ele deve sim estudar doutrina, mas no momento oportuno, depois de cumprir todos os deveres. O estudo das coisas de Deus é excelso, o ordenar a mente em busca da verdade é bom, até uma pequena distração fazendo algo legal no momento oportuno, para fins de descanso, é ok, mas se estas coisas não estiverem associadas ao "carregar a cruz" no dever cotidiano... temos um problema.

Ok, vamos a São Josemaria:

247: Concretiza. - Que os teus propósitos não sejam fogos de artifício, que brilham um instante para deixarem, como realidade amarga, uma vareta de foguete, negra e inútil, que se joga fora com desprezo.

Ora, quantas vezes não fiz propósitos de vida apenas para ignora-los, cedendo a primeira tentação de dispersão? Cedendo à primeira, a vontade se estiola, e o dia de trabalho irá necessariamente de mau a pior, a não ser que haja uma ruptura violenta com a espiral de dispersão. De nada adianta um propósito sem cumpri-lo. Qual é meu propósito? Trabalhar bem, com afinco, com concentração, para aumentar minhas chances de conseguir ser um pesquisador de alto nível e obter uma posição universitária. Pra quê devo querer isso? Porque tudo indica que é isso que Deus quer de mim. Mas porque Deus quer isso de mim? Porque 1) tenho grande interesse e grande facilidade com física/matemática desde que me conheço por gente; 2) porque trabalhar bem naquilo que se está inserido é dever de todo cristão; 3) porque assumi este compromisso com meu orientador, com a universidade e com a FAPESp; 4) porque tenho dever grave de fazer o possível, sem negligenciar outros deveres, no que tange o proporcionar sustento para minha esposa e filhos (ainda mais porque a meta é que eu possa sustentar a casa sozinho, a fim de que a minha esposa possa se dedicar plenamente à importantíssima tarefa de educar verdadeiramente nossos pimpolhos); 5) porque sendo um professor universitário, seria um sujeito influente, podendo despertar algum interesse pelo catolicismo nos alunos; 6) porque sendo um bom pesquisador, levarei os alunos a pensar o seguinte: "ele é um grande físico e é católico: que curioso!; 7) porque o ambiente universitário precisa de católicos que se definam como tal e vivam como tal, porque lá impera o ateísmo e o materialismo. Se isso não é motivo suficiente, o que seria? Preciso que Cristo desça aqui em pessoa e me mande trabalhar?

248: És tão jovem! - Pareces um barco que empreende viagem. - Esse ligeiro desvio de agora, se não o corriges, fará que no fim não chegues ao porto.

Para que eu cumpra este propósito, preciso me vigiar todos os dias e trabalhar com afinco também diariamente. É assim na vida de oração, é assim no cuidado com o casamento, é assim no trabalho. Cada dia exige a guarda do coração, para que tudo eu possa fazer segundo uma "ratio" bem ordenada. Se eu deixo pra amanhã, pra semana que vem, pro mês que vem, o tempo se esgotará, e o fracasso baterá em minha porta. Claro, surgirão outras oportunidades, melhores ou piores, mas não é um bom hábito ficar jogando fora as oportunidades, né? E em algum momento as oportunidades se acabarão, e disso eu terei que prestar contas ao Bom Deus...


249: Faz poucos propósitos. - Faz propósitos concretos. - E cumpre-os com a ajuda de Deus.

Então, faço o propósito de trabalhar bem, com afinco, com concentração, fugindo das distrações, desintoxicando de tecnologia caso eu caia no pecado da dispersão, buscando em Deus o conforto e o consolo nos momentos de tristeza, que tantas vezes eu tentei afogar lendo notícias sobre questiúnculas eclesiais ou assistindo vídeos de queda-de-braço, atualmente meu esporte favorito...

250: Disseste-me e te ouvi em silêncio: “Sim, quero ser santo”. Se bem que esta afirmação, tão esfumada, tão geral, me pareça normalmente uma tolice.

"Cumprir o dever" não é suficiente para ser santo, mas é necessário. Que no cumprimento amoroso, paciente e escrupuloso de meu dever de estado, eu possa me santificar, carregando junto com Cristo a cruz para, crucificando-me com Ele, possa ser eu mais um a irradiar a luz de Sua ressurreição.












 

sábado, 31 de outubro de 2020

Bibliografia para a vida - post flutuante

 Neste post aqui, quero citar os livros que pretendo ler ao longo dos próximos meses/anos. A ideia é realmente fazer um plano de estudos. Qual é o objetivo deste plano de estudos? Me levar a ser um homem mais sábio e mais santo, vivendo de modo mais profundo e com maior senso de dever a minha realidade, a qual estou inserido. Alguns livros serão "ferramentais", me dando algum instrumento linguístico para melhor me expressar ou para ampliar minhas possibilidades de leitura, como livros de ensino de línguas ou livros que ensinem retórica/oratória, por exemplo. Outros livros serão "científicos", num sentido que abrange também a filosofia. Esses se subdividem em "formativos" e "informativos". Os formativos organizam a mente e constroem a base que dá unidade ao múltiplo, os informativos dão informações pontuais a respeito desta multiplicidade. Por fim, há os livros "espirituais", que me lembrarão do Único necessário, do porque de eu fazer tudo isso, do propósito sobrenatural que pode existir numa vida de pesquisador em física, pai (de dois agora, minha esposa está grávida de novo!) e marido. Esta categoria pode se confundir com a 'filosófica' se se considera, por exemplo, a "filosofia da vocação" de um Ortega y Gasset, ou a fenomenologia utilizada pelo grande Dietrich Von Hildebrand. 

Essa categorização, no fundo no fundo, não importa tanto. Buscarei, então, dividir essa leitura em dois horários durante o dia. O primeiro livro será lido no almoço, enquanto como. O segundo livro será lido a noite, e deve ser um livro mais "osso duro de roer", mais profundo, o que não quer dizer que o livro do almoço será raso, por certo.

Enfim, basta de bla-bla-bla. Vamos elencar os livros! 

As grandes Teses da Filosofia Tomistas - A.D Sertillanges

Cavalo de Troia na Cidade de Deus - Dietrich Von Hildebrand   

O amor entre o homem e a mulher - Dietrich Von Hildebrand

Dos, Una Sola Carne - Alberto Cattureli

Fundamentos da Filosofia - Manuel Garcia Morente (parte histórica)

Livro II do "O Livre Arbítrio" - Santo Agostinho

Três Vias e Três Conversões - Reginaldo Garrigou Lagrange

Prática de amor a Jesus Cristo - Santo Afonso de Ligório

Deus e o Homem - Joathas Bello

A Nossa Transformação em Cristo - Dietrich Von Hildebrand

Introdução ao Espírito da Liturgia - Romano Guardini

Atitudes Éticas Fundamentais - Dietrich Von Hildebrand

A Crise no Mundo Moderno - Padre Leonel Franca

O método pedagógico dos Jesuítas - Padre Leonel Franca

O Drama do Humanismo Ateu - Henri de Lubac

Casti Connubi - Pio XI

Aeterni Patris - Leão XIII

Dom Quixote de la Mancha - Miguel de Cervante

Meditaciones Del Quijote - Ortega y Gasset

Cidade de Deus - Santo Agostinho

Memórias Póstumas de Brás Cubas - Machado de Assis (talvez o resto das obras pós esta tbm)

Contos - Machados de Assis

Machado de Assis - Gustavo Corção

Casa Grande e Senzala - Gilberto Freyre

Os Sertões - Euclídes da Cunha

O Auto da Compadecida - Ariano Suassuna

Pensamentos - Pascal

Reflexões sobre a Vaidade dos Homens - Mathias Aires

Sonetos - Camões

A Divisão da Cristandade - Christopher Dawson

Lições de Abismo - Gustavo Corção

Desconcerto do Mundo - Gustavo Corção

Trabalho ordinário, graça extraordinária - Scott Hahn 

Algo de Soren Kierkeergard (devo ter escrito errado)

Algo do Cardeal Newman


And the list will go on...!










sábado, 24 de outubro de 2020

(Possíveis) marcos para uma reflexão séria e católica acerca da ciência moderna - PARTE 1

  Com este post (se é que alguém vai ler), buscarei propor alguns pontos de partida para uma reflexão séria e católica acerca de algumas questões espinhosas da ciência moderna. Quero evitar duas posturas opostas, e que me parecem incorretas, sendo uma delas efetivamente perniciosa. De um lado, há aqueles que, num tom de bravata e proclamando o anátema de quem discorda, acabam por desprezar como ficção herética várias teorias científicas já bem consolidadas, muitas vezes dando argumentos que não encerram a questão enquanto cantam vitória, julgando tolos todos aqueles que dedicam a vida a estudar perante aquela perspectiva (e ora, acho que o jeito que alguns criticam os filósofos modernos padece do mesmo problema). É o caso de alguns críticos do evolucionismo, por exemplo. De outro lado, há alguns que estão dispostas a abandonar uma interpretação tradicional católica acerca de certo acontecimento sem ter motivo intelectual suficiente pra tal. Este lado é muito mais pernicioso que o primeiro, pois o risco de se perder a fé e se embrenhar em uma perspectiva meramente naturalista da realidade é bem grande.

 Enquanto tomo cerveja (amarga: não gosto de cerveja, mas estava aqui no freezer a tempos e quis tomar hoje) e como amendoim, expressarei o que me parece justo e legítimo.

Evolucionismo: Acho que esse é o assunto mais polêmico de todos que tratarei. Em primeiro lugar, é preciso traçar as linhas gerais daquilo que uma reta doutrina acerca da origem das criaturas deve obedecer. Existe uma fala de Pio XII onde ele deixa bem claro que não é possível conciliar o poligenismo com o fato de que o pecado entrou no mundo por "um único homem". Houve um homem, do qual descendem todos os homens, e ele pecou. Sabemos também que Deus "criou" os seres vivos, embora, como diria Chesterton, não faça diferença se ele os criou rapidamente, todos de uma vez, ou vagarosamente, num processo "evolucionário". Como poderíamos conciliar isso com o conceito, já dogmatizado, de "essência", no qual se baseia a realidade da Transubstanciação? É preciso levar isso em conta. Entretanto, devemos repudiar a ideia de que um homem é um ente meramente natural. É também verdade de fé que o ser humano é dotado de corpo e alma, e de fato, é impossível dizer que um conjunto de variáveis físicas organizadas de um modo tal seja dotada de consciência. O ser humano percebe que existe, percebe que pensa, e percebe que pensa no instante exato em que pensa em algo. É possível surgir com argumentos racionais para a existência da alma, e penso que uma boa apologética deva passar por isso, mas por ora, fiquemos com o fato de que essa é uma verdade inegociável para um católico, e que se isso fosse des-provado, se de algum modo alguém mostrasse que não há alma imortal, a fé toda seria uma piada e a vida, absurda. Isso não inviabiliza a evolução do homem a partir de um ancestral mais... "macacal", mas em algum ponto houve um salto qualitativo, dado por Deus, e aquele ser já não era mais um "bruto", mas um animal racional. Parece, agora por motivos morais, impossível que Deus desejasse que este novo ser 'racional' procriasse com animais suficientemente próximos geneticamente. Ainda seria zoofilia. Deste modo, a tese do grande Edward Feser me parece excessivamente naturalista. 

Acerca deste tema, existem muitas posições. Os fundamentalistas protestantes, negando a veracidade dos testes de datação geológica, dizem que a Terra possui apenas alguns milhares de anos, tomando por literal a cronologia do Gênesis. Existe alguns católicos, com quem não concordo, que admitem que a o Universo e a Terra são antigos, mas que trazem a existência de todos os animais para períodos muito menos remotos do que aqueles sugeridos pelos processos de datação (sugerindo a Flinistônica tese de que os seres humanos conviveram com os dinos). Não parece haver motivo suficiente para descreditar tais métodos, mas preciso estudar mais a fundo tal tema para não ser refuctado e sair como idiota da história.  Há outros que, num extremo oposto, tomam a explicação científica vigente mesmo nos pontos menos justificados, de modo que Adão se torna uma "tribo". Me parece contradizer explicitamente a fala de Pio XII, por mais que alguns digam que não. Existem ainda a hipótese, razoável, porém forçada, de que os fósseis encontrados de hominídeos antigos se refiram a homens "animalescos", os famosos "pré-adâmicos", que não deixaram descendentes. Devo essa tese à Dom Estevão Bettencourt, bispo bastante douto. Não me parece uma tese ruim, mas ainda fica em aberto a interessantíssima pergunta: quando o ser humano se tornou ser humano? Temos genes de Neandertal, então fica claro que os Neandertais eram já seres humanos. Ademais, eles faziam funerais e deixavam rabiscos em cavernas. Adão era um Neandertal? Mas... e o Homo Erectus? Ele dominava o fogo. Animais podem dominar o fogo? Mas... Adão supostamente era um homem perfeito, com talentos muito superiores aos nossos. Como ele poderia ser ele um homem amacacado? Mas pode um animal irracional dominar o fogo? Parece um pouco demais supor que Adão era um burro bárbaro. E o quão confiáveis são esses fosseis todos? Há motivo pra duvidar? Parece que não, mas também preciso estudar a respeito. Não é justo tomar a tese de um ou de outro sem evidências suficientes.

Devido a todos esses problemas, me parece mister supor, ao menos no caso humano, a tese do professor Joathas Bello, provavelmente o melhor filósofo que já conheci. Ele levanta a tese de que Adão e Eva não foram seres humanos aqui nesse mundo, se baseando no fato de que "toda a criação" decaiu após o pecado deste primeiro homem. A hipótese dele é de que Adão e Eva viviam num mundo perfeito (o Eden), e este mundo se dissolveu em trevas e caos após a queda (e Adão e Eva foram pra um "limbo"). Deste modo, o universo se colocou num estado de "caminhada", evoluindo de animais, até animais espertinhos (um chimpanzé, um Australopiteco), até seres humanos estúpidos (os primeiros hominídeos, já dotados de alma imortal) até seres humanos espertos (Neandertais e Sapiens). Mas como isso salva a paternidade literal de Adão sobre Caim, Abel e Set? A pergunta científico/filosófico de "quando o homem se tornou homem" acaba substituída por esta pergunta "teológica", por assim dizer.


E a questão da "essência"? Como isso pode coadunar com o evolucionismo. Bom, em primeiro lugar, é óbvio que somos algo, e que todas as coisas são sendo "algo" específico. Apenas Deus tem o "ser" por essência, nós, pelo contrário, somos sempre algo específico. Não só nós, mas este copo, esta pedra e aquele ornitorrinco não são "simpliciter", são algo especificado, são corpos, pedras e ornitorrincos. Entretanto, o que define o que algo é? Os aristotélico-tomistas (tomismo do qual nenhum católico pode se afastar a não ser por graves motivos!) chama isso de "essência". Seres humanos só se reproduzem com seres humanos, então há algo como "humanidade". A dinâmica de um elétron livre pode ser explicada via equação de Dirac quantizada, e não por outra equação. Cães e gatos não fazem filhotinhos. Então há algo como "cachorridade", "gatidade", "humanidade" e "eletroncidade". Entretanto, leões e tigres, animais diferentes, podem procriar entre si (não naturalmente, naturalmente). Jumentos e éguas também podem procriar, dando origem ao amado burro. Zebras e cavalos são animais diferentes, mas também podem procriar. Essas crias são seres vivos, animais fortes (até demais, como é o caso do Ligre), mas muitas vezes estéreis e defeituosos. A reprodução, neste caso, é possível, mas há uma certa incompatibilidade, não o suficiente para evitar a procriação, entretanto. Até faz sentido, pois são animais diferentes, mas semelhantes. Entretanto, um cão não pode cruzar com um gato, e tampouco um cavalinho com uma girafona. Existem entes perfeitamente "acasalantes" entre si, existem entes que podem até cruzar, mas dando crias bugadas, e existem animais que podem cruzar, mas jamais gerarão crias. O que isso sugere? A essência pode ir mudando através das gerações, de modo a tornar uma reprodução outrora impossível, possível? O que "define" a essência? Me parece que, no caso humano, é a alma imortal, mas nos animais, que são materiais, pode existir um princípio "interno", "físico", que dite a essência do animal. Seria o oposto de um "hilozoísmo", que (tá, estou deturpando o termo) dita que as essências são como "fantasminhas" encaixadas no animal. A essência seria, ao menos no caso de seres puramente materiais, uma propriedade "emergente" dos constituintes mais básicos deste ser. Mas é uma questão em aberto, sobre a qual precisa haver muita discussão. Ademais, o 'resultado' da emergência precisa estar em "algum lugar", after all. Nada é simplesinho nessa questão,

E sobre o princípio da vida? Como um ser "morto" se torna vivo? A vida surgiu de processos químicos naturais? Há vida extraterrestre?

Vamos buscar responder de "dente pra trás", como diria minha mãe. Há vida extraterrestre? Vejo bastante o pessoal de minha área dar dois argumentos a favor da teoria de que existe vida fora da terra (e mais, vida inteligente!). O primeiro é: "se o universo tivesse apenas a gente de inteligente, o resto dele todo seria um grande desperdício de espaço". Essa ideia é tão estúpida que nem perderei tempo respondendo. O segundo é: "se estamos aqui, é mais provável que a vida seja provável do que não". Esse argumento é mais digno de respeito, mas parte do pressuposto de que a vida é um fenômeno plenamente natural. Quem sabe? Sobre a vida humana, estou convencido que sim, de modo que não parece fazer sentido que haja vida inteligente fora da terra, mas ainda que se desconsidere esse meu convencimento, não há razão forte para dizer que há vida fora da terra, pois ninguém sabe ao certo como a vida surgiu aqui. Como saber se é um fenômeno natural? Dizer que tem que haver vida porque nós temos de ser fruto de um fenômeno natural é petição de princípio. "Somos naturais, logo, somos prováveis, e deve existir algo como nós fora deste mundo". Isso vale pra nós, vale pros cogumelos. Temos alma imortal, não somos naturais, mas e a vida? É uma outra questão em aberto. (Colocando em termos mais rigorosos: a vida, pra surgiu, precisa de Deus como causa primeira ou causa segunda?). E o que torna um ser vivo, vivo? A reprodução? Definir esse limiar é uma meta fascinante, e, por que não, urgente.

Enfim, me parece ser este um ponto de partida seguro para começar a se investigar a questão de um ponto de vista simultaneamente católico e intelectualmente honesto. Há alguns pontos, que tomei como axiomáticos, que decorreram da fé e não podem prescindir da conversão do sujeito que dialoga a respeito disso (ora, sejamos francos, de que adianta o sujeito se convencer de x ou y se ele não se convence do único importante?). Entretanto, há certos pontos "de fé" que não são de fé, são de razão natural, e que devem ser provados e demonstrados partindo o máximo possível do ponto de vista cientificista científico do debatedor. É o caso da existência da alma e do conceito de "essência", por exemplo.

Enfim, pretendo fazer posts do tipo para outros problemas em aberto também. Peço perdão pelo post longo, espero que tudo esteja bem claro, e qualquer dúvida, comentem! Não sei se há alguém lendo, mas se há, obrigado por aguentar até aqui, e que Deus o abençoe.









 

quarta-feira, 5 de agosto de 2020

Minha trajetória científica

  Olá. Apesar de já ter feito o primeiro post, ainda não me apresentei. Meu nome é Igor, sou nascido em 1993 e sou atualmente doutorando em Física pelo Instituto de Física de São Carlos, da USP. Sou católico de nascimento, mas uma série de fatores me levou, na adolescência, ao abandono total da fé. Em algumas épocas me declarei "cristão" (embora minhas atitudes não fossem nada cristãs), em outras, agnóstico, em outras, Deísta. Fiquei também com um pé no Espiritismo, embora nunca tenha ido a um Centro Espírita (meu irmão coordena o Centro Espírita na cidade onde ele mora...). Em 2015, confrontado com o problema da morte, com a falta de respostas convincentes do Espiritismo e a desesperança profunda advinda das outras possibilidades que eu cogitava, fiz, após perceber (após estudar bastante) a razoabilidade da fé católica, uma "aposta de Pascal", e voltei pra Igreja. Descobri que era realmente ali que moravam as respostas para todas as perguntas que todo ser humano faz: "quem somos?", "de onde viemos?", "pra onde vamos?", "porque existimos?", "como devemos viver?" e por aí vai. Não é vivendo "uma" religião que se tem respostas, é vivendo na única religião verdadeira, que é aquela revelada pelo Deus mesmo. E o mais importantes, essas respostas não são respostas meramente intelectuais a perguntas meramente intelectuais: são respostas com sentido existencial, que dão um norte pra nossa vida, e são respostas que vem, no Catolicismo, acompanhadas dos instrumentos (oração, sacramentos) que possibilitam essa transformação de vida, e são de fato eficazes, que de fato levam, se houver cooperação de nossa parte, a um abandono de nossos vícios e um crescimento nas virtudes, a uma aniquilação do egoísmo e um crescimento no amor.

 Entretanto, sou também, como disse antes, um cientista (em potencial). Desde pequeno, graças às muitas Superinteressantes trazidas pelo meu irmão, gostava muito de ciências, física em especial. Sabia o nome das partículas subatômicas e o valor da velocidade da luz antes de aprender a fazer conta de divisão. Sempre tive uma inteligência acima da média (estou longe de ser um gênio, mas sempre me destaquei nas escolas onde estudei) e isso me deixou vagabundo e displicente, pois eu não precisava estudar pra ir bem (ex: duas menções honrosas nas OBMEP sem nem estudar. Ok, isso não é grande coisa num país onde a maioria é absolutamente medíocre em matemática, mas mostra algo). Entretanto, o amor a física sempre se manteve, de modo que eu passava, na minha adolescência, longas horas olhando o céu pela luneta de R$ 200 que comprei com meu primeiro salário (trabalhei, basicamente, varrendo pedras e servindo de quebra-galhos na empresa de beneficiamento de batatas do meu tio, em Pedrinópolis-MG). Entrei, em 2011, no curso de Engenharia de Automação Industrial no CEFET-MG, em Araxá. Eu gostei muito de Cálculo (de Física nem tanto, o professor dava aula de slides e isso mata o entusiasmo de qualquer um), mas me sentia mal nas disciplinas mais específicas de Engenharia. Percebi que eu gostava de Física e de Matemática muito mais do que de Engenharia, mas pensei que fazer Física seria assinar um atestado de "passarei fome". Descobri o curso de Engenharia Física na UFSCar e me encantei com a grade curricular e com os relatos dos ex-alunos, que diziam que tal curso possuía a grade curricular mais difícil da universidade, quiça do Brasil! Eu, como sempre gostei de Física e de desafios, fiz o ENEM e passei em Engenharia Física na 2a chamada. Entrei com cota de Escola Pública. Em 2012, comecei o curso de Engenharia Física. Foi legal: haviam muitos sujeitos muito talentosos. A parte de matemática e de física era fantástica, a de engenharia, nem tanto. Consegui me formar no tempo certo (final de 2016... na verdade começo de 2017, pois houve uma fatídica greve de alunos que fez com que o semestre acabasse em fevereiro, não em dezembro. Isso fez com que a apresentação do TCC caísse dois dias depois do meu casamento com minha querida Dani rs) e sem nenhuma reprovação. No começo do curso, pensei em transferir pra matemática ou pra física, mas meus irmãos me desincentivaram a tomar tal decisão. Depois, pensei em me formar na Engenharia Física e seguir na pós-graduação em Física. Depois, ainda, pensei em 'vender minha alma' pro banco, pois isso seria muito mais rentável que uma bolsa CAPES de 1500 reais. Em 2016, depois da greve de alunos, fiquei enojado com o ambiente universitário e quis fugir daquilo. Consegui um estágio na empresa do meu tio (é, o mesmo tio!), que estava começando um projeto: uma fabrica de batatas pré-cozidas. Morei 5~6 meses com minha mãe, e lá, no "chão de fábrica", que descobri (por saudades) que eu amava física. 
 Voltei em Janeiro pra São Carlos (só com a cara, a coragem, Deus no coração e um dinheirinho guardado) e me casei em Fevereiro. Prestei o processo seletivo pra Mestrado em Física na UFSCar, sem saber se ia ter bolsa ou não. Se não tivesse, eu teria de arrumar ~qualquer coisa~ pra ganhar meu pão. Dois dias depois do meu casamento, apresentei meu TCC. Colei grau em março de 2017.

 Meu TCC foi resultado da pesquisa com bolsa FAPESP que desenvolvi no meu último semestre de graduação. Sobre orientação do Dr. Emanuel Fernandes de Lima, analisei um sistema caótico bidimensional (modelo de Henon-Heiles), buscando descobrir se uma partícula nesse potencial poderia ser controlada com campos externos. Foi uma pesquisa puramente computacional, o que no final das contas foi meio desapontador, porque eu não aprendi muito sobre sistemas caóticos, como era meu desejo. A resposta pra pesquisa foi "mais ou menos": o controle via campos de duas frequências diferentes foi bem meia-boca. Eu ainda escrevia no Word, então, por gentileza, não reparem na feiura da formatação:

Consegui bolsa de mestrado, com início em maio. Meu dinheiro guardado deu justamente até aí (com a ajuda da bolsa PIBID da minha esposa e de uma ajuda de meu sogro)! Desenvolvi no mestrado, sob orientação do mesmo Dr. Emanuel Fernandes de Lima, uma pesquisa na área de átomos frios. Dois átomos, quando batem, não necessariamente vão "grudar" um no outro. Um dos jeitos de induzir essa ligação química é jogando um laser (na intensidade certa e frequência certa) nesse par de átomos em colisão. Existem métodos que permitem a construção (teórica) de um laser que faz esse processo com 100% de eficiência, mas esse laser é tão "esquisito" (a frequência e intensidade dele variam muito rápido e de modo não óbvio: estamos falando aqui de variações na casa dos picosegundos!) que seria muito difícil implementa-lo em laboratório. Fazendo estudos teóricos (e da-lhe simulações computacionais!), nós buscamos "construir" (na teoria: papel, caneta e computador: nada de laboratórios) uma forma mais simples pra esse laser, e que ainda promovesse uma boa taxa de formação de moléculas. Esse projeto foi bem sucedido e rendeu um artigo na revista Laser Physics.
 Artigo: artigo

 Dissertação de mestrado: dissertação

 A área de pesquisa do meu mestrado, entretanto, não me agradou muito. As disciplinas que fiz (Mecânica Quântica, Mecânica Estatística, Eletrodinâmica Clássica e Física Computacional) foram legais, mas a pesquisa ficou muito focada em mecânica quântica "básica" e em simulações computacionais sem fim. Eu senti minha base teórica (em física) ainda muito fraca, e decidi ir pra alguma área que me proporcionasse uma formação mais sólida. Primeiro pensei em teoria quântica de campos em espaços curvos, mas não daria certo aqui em São Carlos (o único orientador estava cheio de alunos). Depois, pensei em Cromodinâmica Quântica na Rede (fui ignorado pelos orientadores da USP que trabalhavam com isso) e em Sistemas Integráveis (também fui ignorado). Conversei com um amigo meu, o Michel, e ele disse que estava gostando muito de fazer mestrado na área de Física da Matéria Condensada Teórica. Acabei percebendo que era uma área que me proporcionaria entender as realizações mais significativas da física teórica das últimas décadas, dando-me a bagagem almejada. Entrei então, em 2019, num doutorado na USP - São Carlos, sob orientação do Dr. Eric de Castro e Andrade. Desde então tive que fazer alguns trabalhos de conclusão de curso relativos às disciplinas que fiz. No primeiro semestre, cursei Teoria Quântica de Campos e Estado Sólido (foi puxado). Trabalhei relativamente pouco na pesquisa. Minha filhinha, a Maria Therese, nasceu bem no finalzinho do semestre.

 Esse foi o trabalho final de Teoria quântica de campos. Não ficou muito bom. integrais de trajetória

 No segundo semestre, cursei Mecânica Estatística Avançada, Práticas Pedagógicas e fui monitor de Física 2. Fiz um trabalho bem legal pra concluir a disciplina de Estatística Avançada: simulações em Monte Carlo para prever uma transição de fase num modelo de spins 2D com interação em primeiros e segundos vizinhos. Explicando melhor: o método de Monte Carlo permite (com um custo computacional razoável...) que retiremos informações termodinâmicas de sistemas físicos, como magnetização, calor específico, susceptibilidade magnética, etc. Ele também permite prever transições de fase (por exemplo, de um estado com ordem magnética de longo alcance {pense numa malha cheia de setinhas apontando todas na mesma direção} pra um estado sem nenhuma ordem magnética). Fizemos isso no chamado modelo de Heisenberg antiferromagnético J1-J2 em 2D. Imagine uma rede quadrada (como um tabuleiro de xadrez). Coloque uma setinha no vértice de cada quadrado. Essas setinhas podem apontar pra qualquer direção, inclusive pra fora do tabuleiro. Imagine agora que as setinhas interagem de modo proporcional a uma constante J1 para com seus primeiros vizinhos (as setinhas mais próximas) e interagem de modo proporcional a uma constante J2 com os segundos vizinhos (as setinhas que, tirando as primeiras vizinhas, são as mais próximas). Elas interagem de modo "antiferromagnetico", então as setinhas vão querer ficar "antialinhadas" (se uma aponta pra cima, a vizinha vai querer apontar pra baixo). Foi esse o modelo que estudei nesse trabalho final de disciplina. Tenho mais orgulho dele do que da minha dissertação de mestrado rs. Não que tenha ficado genial, mas ficou bonitinho.
 Segue o link: Monte Carlo

 No terceiro semestre (que está acabando agora) fiz apenas uma disciplina: tópicos em teorias de muitos corpos. É mecânica quântica, só que com um número muito grande de partículas. É um tópico árduo. Nesse curso o professor, além de pedir listas de exercícios bastante extensas, pediu um trabalho final em inglês e em formado de artigo. É o primeiro texto "grande" em inglês que escrevi na vida! Esse trabalho se refere à segunda parte do meu doutorado, onde estudarei o chamado "Modelo de Hubbard", só que com algumas coisinhas a mais (que fazem com que o trabalho tenha uma certa relevância). Em algum momento explicarei melhor do que se trata. Nesse trabalho, descrevi o chamado "método dos Bósons Escravos" no que tange à solução aproximada desse modelo de Hubbard. Ficou bonitinho também. De repente pode servir como uma introdução pedagógica ao assunto. Sei lá se sou didático, mas as continhas estão todas abertas. Segue o link: Bósons Escravos

Agora estou dando prosseguimento a minha pesquisa. Em vários momentos repensei minha vida, repensei se é essa mesmo minha vocação, repensei se é isso mesmo que eu gosto. Depois de muito rezar, pensar e meditar, percebi que é aí mesmo que Deus me quer. Os físicos são em geral sem-religião, e muitas vezes são anti-religião e anti-cristianismo. Imagina como fica a cabeça de um pobre cristão ao entrar na faculdade de física e ver que todo mundo aparentemente julga aquilo uma insensatez? Como poderia ser diferente se houvessem (bons) físicos católicos ocupando cargos universitários e mostrando que não há incompatibilidade alguma entre as duas coisas! Não que não existam físicos católicos, mas eles são em geral muito tímidos, separando a vida "religiosa" da vida "acadêmica". Bom, buscarei ser diferente disso. Será que dará certo? Não sei. Vou buscar fazer a minha parte.

Enfim, é isso. 

Solvay Conference 1927. Some of the attendees, Niels Bohr ... 








segunda-feira, 3 de agosto de 2020

A felicidade humana e a escola cara

 "Eu me sentiria responsável se eu colocasse no mundo uma criança pra sofrer, pra ser infeliz". Essa frase passa por inofensiva, não é? Mas era exatamente isso que pensava Nabor Coutinho de Oliveira Junior quando, em 2016, jogou a esposa e os dois filhos do 18º andar de um prédio, se jogando logo em seguida. Ele passava por graves problemas financeiros. Esse caso clamoroso mostra claramente as consequências de uma ideia errada a respeito do "sofrimento" e da "felicidade". 

 A ideia por trás do caso de Nabor é a de que uma pessoa é (ou pode ser) feliz quando ela é normal, saudável, e recebe as ferramentas para (do ponto de vista mundano) desenvolver plenamente seu potencial, recebendo boa educação, comendo boa comida e todas essas outras coisas que, no duro no duro, nunca, em nenhuma época, foram acessíveis para todos (não que seja ruim que todos possuam, pelo contrário). Partindo desse pressuposto, uma pessoa pobre jamais deveria ter filhos, pois vai ser incapaz de fornecer uma ~boa condição de vida~ pra eles. Partindo desse pressuposto, uma pessoa que tem risco de ter filhos deficientes jamais poderia ter filhos, pois essa criança, nascendo, viveria uma vida desgraçada, passando dor, entrevada, enquanto as outras crianças correm alegres por aí (ora, e esse "risco" não está presente em cada concepção?). E a noção do que é o "necessário" pode ir subindo arbitrariamente, de modo que há pessoas que não tem filho algum porque dizem que o mundo de hoje é "muiito difícil" ou preferem ter apenas um filho pra poder pagar pra ele a escola mais cara da cidade. A vida dos próximos filhos, que seria a consequência normal e sublime de um ato conjugal "desprotegido" (pra usar aqui a repugnante linguagem mundana, que dá a impressão que "engravidar" é como pegar uma doença), vale menos que a escola cara do filho, que poderia muito bem estudar em uma escola mais barata (ou pública mesmo, na minha opinião é quase tudo a mesma porcaria...) e ter a educação complementada pelos pais. 

 A maioria dessas pessoas, quando acabam concebendo um filho "indesejado" (e cujo "indesejamento" é sempre justificado por motivos supostamente nobres e altruístas), no começo ficam desesperadas, mas depois tomam consciência de que "filho é benção" e reorganizam na suas mentes a escala de valores, criando uma auto-justificativa para "tudo bem ter mais um filho" (mas ter mais um filho depois desse recem-concebido é algo impensável: é aí que grande parte das pessoas parte pra laqueadura ou vasectomia, métodos de mutilação). Algumas, nas quais essa ideia de "uma vida sem bicicleta chique e escola cara não é uma vida que valha a pena ser vivida", resolvem matar a criança no próprio ventre, justificando esse ato medonho com palavras pseudo-virtuosas e pseudo-autruístas.  E isso não vale apenas pra crianças ainda não-nascidas! São comuns os casos de pais que suicidam quando percebem que irão perder todos os bens, deixando os filhos, acostumados a viver a pão-de-ló, numa situação financeira ruim (eles não conseguem suportar a ideia de deixar o filho "numa situação ruim" e dão fim à própria vida, quase certamente jogando a própria alma no inferno, por triste que seja dizer isso). É menos comum (graças a Deus!) casos como os de Nabor, que julgou que, privados dos bens, seus filhos e sua esposa seriam mortalmente infelizes, e tomando o lugar de Deus, Senhor da vida e da morte, os matou para priva-los do "sofrimento". 

 A ideia de fundo por trás de tudo isso é a de que existem vidas que valem "menos a pena" do que outras. É, no fundo, uma ideia eugenista. Um ser humano (a revelia da esmagadora maioria que é pobre e não tem condições) que não estuda em escola cara é "menos digno de viver" que um ser humano que estuda numa escola cara. Um molequinho com distrofia muscular tem uma vida desgraçada, seria melhor nunca ter nascido, segundo esse mau pensamento! É, no fundo, você decidindo o valor de uma vida com base em uma escala de valores tão arbitrária quanto o lobo-guará na nova cédula de 200 pau. Toda a vida vale a pena, e a felicidade não consiste em "ter coisas". O nível de "felicidade" (acho que isso foi medido numa certa pesquisa aí com base em uma auto-percepção subjetiva de seu próprio estado de espírito) dos ricos e dos pobres é semelhante, o nível de felicidade dos saudáveis e dos doentes condenados também é semelhante (contraposição entre "homo sapiens" e "homo patiens" de Viktor Frankl). Nada nesse mundo pode preencher o coração do homem, e não é ter coisas que o tornará feliz. Mas, definitivamente, é infeliz aquele que se julga capaz de dizer que vida vale a pena ser vivida e que vida não vale. 

 Note: com isso não viso aqui minimizar o sofrimento alheio. É triste uma situação de pobreza extrema, é tristíssima a situação de uma criança que cresce na base da pancada e até de abusos sexuais. É triste a situação de uma criança de orfanato, que cresce sem pai e sem mãe. Existe esse tipo de desgraça no mundo, e devemos fazer o possível para que o sofrimento dessas pessoas seja mitigado: consolar os aflitos, vestir os nus, alimentar os que tem fome, corrigir os que erram: tudo isso é obra de misericórdia. Mas não diga que essas pessoas estariam melhores se estivesse mortas ou se nunca tivessem existido. É isso que você diz, implicitamente, quando você diz a frase que encabeça esse texto.


Foto de Group Of Happy African Boys From Samburu Tribe Kenya ...